Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 21: XXI Pág. 290 / 519

Percebendo que em Maurício não estavam ainda extintas também as memórias do passado, e que ainda os seus sentimentos presentes recebiam dele luz e calor, Berta assustou-se, desconfiou de si, e mais do que nunca procurou precaver-se, fugindo à influência do que se temia, mas cedendo a ela sem querer.

Seguiram-se, porém as cenas que sabemos: e o íris que rodeava Maurício aos olhos de Berta dissipou-se como um verdadeiro íris em tardes húmidas de Inverno.

O ideal de Berta não era somente belo, era generoso e impecável, e Maurício não atingia tão alto. O instinto do coração denunciou a Berta o segredo do carácter de Maurício; não havia depravação nele, somente leviandade e inconstância; mas já era bastante para o desprestigiar. Nem leviano, nem inconstante era o Maurício que sonhara. Pelo contrário, de dia para dia lhe aparecia mais na sua verdadeira luz o carácter de Jorge, desse rapaz honesto, generoso, grave, respeitado por todos. As suas qualidades morais atraíram enfim a atenção de Berta, e muita vez, enquanto conversava com Tomé, absorvido em uns vastos e generosos projectos, ou quando seguia pensativo pelos irregulares caminhos dos campos, era ele, sem o suspeitar, o objecto da contemplação de Berta, em quem só então parecia terem feito impressão a nobreza e inteligência que nos gestos, na fisionomia e nas palavras daquele adolescente se revelavam.

A cena do jantar na Casa Mourisca aumentou a intensidade destas nascentes impressões. Nem podia deixar de ser assim.

É natural supor que a imagem de Jorge, desse rapaz corajoso e leal que, perante uma desdenhosa companhia do fidalgo, se erguera a reivindicar a boa fama da família plebeia, perfidamente caluniada por um deles, ocupasse o pensamento da que mais sofrera da calúnia, e ofuscasse a do outro, leviano e estouvado, que concorrera para levantar o aleive.





Os capítulos deste livro