Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 3: III Pág. 39 / 519
que sentia em mim! Eu sei lá! Quando voltei da casa do doutor, com o escrito da quitação no bolso, vinha a tremer, pulava-me no peito o coração como o de uma criança; abri sorrateiramente aquela porta da quinta, e sozinho como um ladrão, sem que ninguém me visse, entrei aqui. Digo-lhe que estava quase louco. Até falei alto; lembra-me bem de que disse ao ver-me cá dentro: Isto é meu! E depois que sabia que era meu, parecia-me outra coisa tudo isto. Meu! Eu não me fartava de repetir esta palavra! Meu! Estas árvores eram minhas, estas fontes eram minhas, até estes pássaros, que por aí cantavam, eram meus, porque enfim vinham fazer ninho e cantar no que me pertencia. Vai rir-se se eu lhe disser o que fiz. Eu abracei estas árvores, eu bati palmas nestes muros, lavei-me nesses tanques todos, bebi água dessas fontes, deitei-me à sombra dessas árvores, eu cantei, eu saltei, eu chorei, e afinal… quer que lhe diga? Não tive mão em mim que não ajoelhasse para beijar esta terra! Beijei, sim, beijei esta terra, que eu ganhara à custa de muito trabalho, de muito suor e de nenhuma vileza. Tinha orgulho, e tenho-o, em me lembrar de que tudo isto me viera de eu ser honrado e amigo de cumprir a minha palavra. Eu não me recordo de ter um contentamento assim na minha vida, a não ser no dia em que estreitei nos braços a Luísa e que também pela primeira vez lhe chamei minha mulher. Era quase a mesma coisa; este era o meu segundo casamento. Daí em diante foi que eu soube o que é ter amor à terra. Desde a sementeira à colheita, era um cuidado incessante com o campo. Ver crescer as plantas para mim causava-me tanto prazer como ver o crescer dos filhos; cada novo rebento era como que um nascimento em casa. Media o quanto iam crescendo as árvores que plantava e trazia contados os frutos dos pomares.