Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 33: XXXIII Pág. 453 / 519

Nem eu sei como me adivinharam; como ela o adivinhou. Ah sim... lembro-me já... Disse-lho eu; mas não foi, como julga, no intento de iludi-la; disse-lho em um momento de desespero, quando ela com lágrimas me perguntava por que eu lhe queria mal. Eu querer-lhe mal! Disse-lhe então tudo. Ela soube de mim pela primeira vez este segredo e eu dela um segredo igual. Pedi-lhe então que me indicasse o que devia fazer. Da sua própria vontade nasceu a minha resolução, a nossa... Bem vê, ama, que não sou tão criminoso como supôs. Acredita que eu fosse capaz da vileza que disse? O que fiz por Clemente não podia desonrá-lo. Berta sabê-lo-ia fazer feliz, porque compreende bem os seus deveres. Eu conheço a têmpera daquela alma. Mas enfim, se me iludi, se nos meus actos ia ofensa para Clemente, ele que me perdoe, que não houve nisso intenção.

Ana do Vedor sentiu que lhe vibrava a corda da sensibilidade no coração, ao escutar aquelas palavras sérias e tristes que lhe diria Jorge.

- Vai-te daí! - exclamou ela, disfarçando a sua comoção. - Quem fala aqui de ofensas? Então acreditas que tudo isto que eu disse foi a sério? Era o que me faltava! Sim, que eu não te conheço, sim, que eu não te trouxe nestes braços e te fiz saltar no meu colo e te vi brincar com os mais rapazes e sempre com mais juízo do que eles todos? Pateta de rapaz, que me não entendeu! O que me faz enraivar é o ver-te assim consumido por uma coisa destas. Logo te deu o diacho também para gostares da filha do Tomé, quando não faltavam raparigas que boa conta te fizessem. Que ela é boa pequena e poucas dessa fidalgaria que por aí há merecem servir-lhe de criada, mas enfim... é filha do Tomé, e teu pai era capaz de estoirar-se... Mas adeus, minha vida, o tempo dele já passou e tu é que não hás-de definhar-te e entisicar só para fazer-lhe a vontade.





Os capítulos deste livro