Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 36: XXXVI Pág. 494 / 519

Luís já não fazia do padre o confidente dos seus segredos.

Admirado com a descoberta, mais admirado ficou ainda ao ouvir os comentários de Gabriela a tal respeito, e as ideias revolucionárias e subversivas que sustentara contra o fidalgo.

Frei Januário, mais respeitador dos foros da fidalguia do que o mais esmerilhado aristocrata, sentiu-se provocado a protestar contra aquelas doutrinas e a vir em auxílio do fidalgo com inesperado socorro, que por certo o faria de novo entrar nas suas boas graças.

Portanto, nestas alturas da discussão, levantou-se do canto em que estivera oculto e, acabando de sorver os restos duma pitada que conservava entre os dedos, afastou a cortina e, surgindo do outro lado do leito, defronte da baronesa, disse escandalizado:

- Perdoe-me V. Ex.ª, Sr.ª D. Gabriela, mas eu não posso deixar de manifestar o meu espanto pelo que acabo de ouvir.

- Ah! Pois estava aí, Sr. frei Januário? Confesso que nem de tal me lembrava - disse Gabriela sorrindo.

D. Luís franziu o sobrolho, como quem não agradecia ao padre a intervenção.

- Aqui tenho estado de noite e de dia, minha senhora - respondeu o padre em tom de censura -, e fiquei porque ninguém me mandou sair. Além de que eu já estou costumado a ouvir e a guardar os segredos desta família.

- Quem lhe diz menos disso, Sr. frei Januário? Eu apenas observei que me não lembrava da sua presença aí. Mas pelo que vejo as minhas ideias não merecem a sua aprovação.

- Decerto que não - tornou o padre. - O Sr. D. Luís tem razão. A nobreza é a nobreza; e mal de nós se ela se esquecia dos seus deveres e assim se misturava às classes íntimas.

- Então que mal sucedia com isso ao Sr. frei Januário? - perguntou a baronesa, rindo.

- A mim?

- Então não disse: «mal de nós»?

- Sim, mal de nós todos, porque a sociedade precisa destas distinções; senão, não há ordem, não há governo, tudo é anarquia e república.





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