Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 10: X Pág. 125 / 519

Quem não está feia é a Dores, a pequenita do João Tavares; dois anos que passem mais por aquela infância e estará ali uma bela mulher. Mas que noite tão sombria! Nem a luz de ontem em casa do Tomé! Hoje nem Berta nos faz companhia. Sirva-lhe isto para desconto dos grandes pecados de que a acusas. Está provado que a vigília de ontem foi consagrada à prosaica tarefa de arrumar as suas coisas pelas gavetas e baús. É verdade, já a viste?...

- Não... já.

- Não? Já? Que diabo de distracção é essa? E que te pareceu?

Jorge esteve algum tempo antes de responder:

- Bem.

- Tão secamente bem? Deveras?!

- Então que queres tu que te diga? Sabes que não tenho o teu génio, para esgotar a minha eloquência diante da primeira figura de mulher que me apareça.

- E a respeito das tuas prevenções?

- Nada pude decidir.

- Pois eu já decidi. Acho-a cada vez mais adorável.

- Ah!

- Sabes que estive com ela esta manhã?

- Sim?! Hum! - disse Jorge com evidente constrangimento.

- É verdade, falei-lhe e, já se sabe, não me descuidei de advogar a minha causa.

- Ah! Sim? E então?...

- E então..., apesar de uma certa esquivança nas respostas que obtive, quer-me parecer que não tenho razão de queixa.

- Bem, bem.

- Enfim, certas recordações de infância... como sabes...

- Ah! Ela recorda-se da infância?

- Ora, como queres que ela se não recorde?

- Sim, é natural - concordou Jorge, fingindo bocejar, mas com suspeitas contracções nervosas.

E, estendendo subitamente a mão ao irmão, acrescentou:

- Boa noite, Maurício. É tarde e eu tenho sono. Adeus.

E de facto Jorge deitou-se, deixando em paz os livros, mais cedo do que costumava. Se dormiu é que não sabemos.

Maurício dormiu com certeza melhor do que ele.





Os capítulos deste livro