Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 5: V Pág. 56 / 519

» Eu olhei para ele, mas não lhe respondi e continuei andando; ele tornou de lá, e já caminhando para mim: «Menino, não ouviu? Eu não quero os meus campos trilhados.» «O que estragar pagarei», respondi-lhe já azedado. O estúpido soltou uma risada insolente, e disse-me: «Com o quê? Pergunte primeiro em casa se o que lá tem chega para pagar o que devem já.» Ouvindo isto, perdi a cabeça e corri para o homem, exclamando: «Para que não duvides da minha palavra, eu te vou já pagar uma dívida, canalha.» Ele estava desarmado, mas recuou para pegar numa enxada; os homens que trabalhavam na eira correram para mim com malhos e manguais; armei a espingarda logo; o primeiro que me ameaçasse estendia-o, palavra de honra! Nisto ouvi uns gritos por de trás de mim. Era o Tomé da Póvoa que passava e que correu a separar-nos. Fez-nos um sermão, trouxe-me quase à força dali. Aí tens como está esta gentalha. Já não podemos sair sem nos arriscarmos a ser insultados e assassinados. Quem deu a esses miseráveis o atrevimento de falar nas dívidas da nossa casa?

- Quem as contraiu e não procura pagá-las - respondeu, tímida, mas placidamente, Jorge.

E logo depois, acrescentou:

- Mas dizes bem, Maurício, foi uma desagradável ocorrência. Já vês agora que eu tinha razão no que te dizia esta manhã.

- O que foi?

- Isto não pode continuar assim, Maurício. Nem tu nem eu temos ânimo para sofrer humilhações, e elas são inevitáveis.

- Inevitáveis?! Eu te juro...

- Não jures; não é pela violência que os obrigaremos a calar. Ou, se se calarem, tem a certeza de que o olhar com que nos seguirem, o pensamento que lhes despertarmos, serão para nós igualmente humilhantes. Há muito que eu adivinho esse pensamento na maneira por que nos fitam. E foi isso que me fez pensar.





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