- É necessário ter juízo - murmurava ela, soltando as tranças -, e soprar quanto antes estes nevoeiros que me rodeiam, para ver, como ele é, o sol da realidade. É tempo de me deixar de loucuras, e de aceitar a vida que tenho a viver como ela deve ser aceite por uma mulher como eu. Os anos de criança passaram.
E adormeceu nesta prudente e ajuizada resolução.
Assim como a luz que, por entre as trevas da noite, rompia de uma das janelas da Casa Mourisca tivera quem a observasse e prendesse a ela uma longa série de pensamentos, também a do quarto de Berta não se perdera no espaço sem encontrar uns olhos que lhe recolhessem alguns raios na passagem.
Jorge era quem velava no único aposento alumiado do velho solar do fidalgo.
Costumava prolongar a sua leitura e os seus estudos por altas horas da noite, interrompendo-os de quando em quando por demorados passeios no quarto, ou, melhor diremos, continuando-os assim.
Era dele o vulto que Berta via passar por diante da luz, ocultando-a momentaneamente.
Esta noite havia porém mais agitação em Jorge do que lhe era habitual; os seus movimentos tinham o que quer que era nervoso e quase febril; concentrava o menos espírito na leitura, e interrompia-a mais frequentemente.
As vigílias de Maurício não eram mais curtas do que as de Jorge, mas consagravam-se a diferente mister; gastavam-se em aventurosas digressões por montados e vales da aldeia, em visitas aos solares das circunvizinhanças onde houvesse uma mesa de wist ou um canto de fogão animado pelo sorriso das damas.
Quando voltava a casa, vinha ainda encontrar o irmão estudando, e era de costume deles passarem alguns momentos a conversar.
Naquela noite, Maurício recolheu-se mais tarde. Ao senti-lo, Jorge, que passeava no quarto, sentou-se depressa à banca e inclinou a cabeça sobre um livro que tinha aberto diante de si.