À entrada de Maurício, Jorge apenas lhe acenou com a mão, e prosseguiu ou fingiu que prosseguia na leitura que encetara, até terminar a página.
- Boas noites, nigromante - saudou-o Maurício. - A estas horas, nesta torre, à luz mortiça de um candeeiro e com um livro aberto diante de ti, representas admiravelmente um astrólogo.
Jorge apenas lhe respondeu com um sorriso e continuou a folhear o livro.
Maurício chegou-se à janela:
- Mas é preciso, de quando em quando, examinar as estrelas também. E elas hoje que estão tão cintilantes! Ah! grande novidade no nosso firmamento! Graças a Deus que além de nós há já mais alguém na aldeia que não dorme a estas horas!
Jorge fechou o livro e foi ter com o irmão à janela.
- Que queres dizer? - perguntou, aproximando-se.
- Que descobri um planeta novo! Mais uma luz na aldeia!
- Uma luz?!
- Sim, e é em casa de Tomé.
Jorge fitou a luz com certa curiosidade e conservou-se algum tempo calado; depois murmurou:
- Tomé ainda de vela a estas horas! É singular!
- Faz-lhe mais justiça - tornou Maurício. - Tomé dorme há boas quatro horas. A gente do campo é incapaz do extravagante delito de escandalizar com luz as trevas da noite. Naquilo percebem-se vestígios de hábitos de cidadãos. Quem vela é a filha, com certeza.
- Ah! sim… Berta… esquecia-me de que tinha voltado - acudiu Jorge, esforçando-se por dizer isto em tom natural e indiferente.
- Voltou, e bem outra do que foi! - advertiu Maurício.
- Em quê? - perguntou Jorge, olhando para o irmão.
- Foi daqui uma criança agradável, e veio uma encantadora mulher!
- Ah! Ah! já notaste? - disse Jorge, com um sorriso contrafeito.
- Digo-te a verdade, Jorge. Parecia-me impossível, ao vê-la, que fosse a filha do Tomé.