Luís? - perguntava a si mesma Berta, observando a luz. - Em que pensará ele a estas horas? Pobre velho, ali só, naquela casa deserta!… É em Beatriz decerto que pensa, como eu… Ou quem sabe? Talvez não seja o fidalgo, mas algum dos filhos; Maurício, provavelmente… Sim, ali deve ser o quarto deles…
E a imagem do mais novo dos filhos de D. Luís entrava outra vez no campo da visão de Berta.
As palavras que trocara com ele aquela tarde, a maneira como a olhara, e o que o pai depois lhe dissera a respeito do rapaz, tudo a fazia reflectir.
Adivinharia Tomé com o seu bom instinto de homem do campo?
Haveria para o coração de Berta perigos na presença de Maurício?
Era tão natural! Em uma alma preparada para o amor e que, à semelhança da noiva nos livros sagrados, espera há muito tempo, perfumada de mirra e de puros aromas, o noivo que tarda, encontra tão fácil asilo a imagem de um adolescente como Maurício, sobretudo se o rodeia o prestígio das saudades de um passado ridente e o vago reflexo com que se iludiu a infância, que razão tinha Tomé para receios e razão tinha Berta para, pensando neles, sondar com inquieta apreensão o santuário dos seus mais íntimos afectos.
Prolongou-se esta contemplação em Berta, e sucederam-se-lhe no espírito os mais diversos pensamentos, enquanto os olhos se fixaram na luz da Casa Mourisca. Só mais tarde desapareceu subitamente essa luz. Berta, como acordando de um sonho, voltou-se então para o interior do quarto, do qual lhe parecia haver andado longe em todo aquele tempo.
A vela, quase gasta, que tinha ao lado do leito mostrava-lhe o muito que, sem o sentir, se prolongou aquela sua abstracção.
A vista dos objectos do quarto evocou-a à realidade. Passou as mãos pelo rosto, como para desviar de si a sombra dos graves pensamentos que a oprimiam, sacudiu a cabeça suspirando, e procurou serenar o espírito, para dormir.