Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 14: XIV Pág. 165 / 519

primos do Cruzeiro, que sabes tratarem irreverentemente todos os amores; um amor que ostentas sem recato, chegando a sujeitar à apreciação cínica desses doidos a mulher que dizes objecto dele; um amor que não procuras ocultar com aquele casto e natural pudor de alma deveras apaixonado. Que amor esse que apregoas sem escrúpulos nem reservas diante de quem quer que seja!

- Mas... como imaginas tu então que se ama, quando se ama deveras? O sistema da publicidade aplicado às paixões não será antes uma garantia da boa natureza delas?

Como se nem tivesse escutado estas palavras, Jorge, acelerando um tanto a rapidez dos seus passos, prosseguiu com exaltação crescente:

- Nunca amei, nunca senti por uma mulher uma destas paixões únicas, dominadoras, exclusivas, a que se sacrifica tudo; mas às vezes tenho pensado nisto e julgo haver concebido o que seria para mim o amor se o sentisse. Se eu um dia amasse, parece-me que procuraria esconder de todos os olhos essa paixão; desejaria que ninguém ma suspeitasse nem por uma palavra, nem por um gesto, nem por um olhar. Ouvir estranhos falar sequer na mulher que eu amasse ferir-me-ia como uma profanação. Não escolheria confidentes, a ninguém revelaria esse segredo da minha alma. A mais alta, a mais casta voluptuosidade que me produziria este amor seria o poder dizer, quando estivesse só: Ninguém no mundo sabe, ninguém suspeita este mistério do meu coração senão ela. Para ela só, para essa mulher que eu amasse quereria reservar todas as manifestações dos meus sentimentos, as mais sérias e as mais pueris, pertenciam-lhe; e permitir que outros as percebessem era profanar o culto. Só com ela, sim, todas as reservas acabavam; então no gesto, na palavra, no olhar revelaria inteira a minha alma, sem mistério nem discrição.





Os capítulos deste livro