O aspecto de um fogão apagado é triste; tem o que quer que seja de um cadáver. A tristeza da manhã e a tristeza da sala aumentavam evidentemente com a presença desse fogão. Por muito tempo apenas o som dos passos do fidalgo despertava os ecos daquelas altas e despidas paredes e tectos elevados.
De repente, porém, ouviu-se rumor à porta da entrada.
D. Luís voltou para ali instintivamente os olhos, sentindo que alguém a abria; e estremeceu, como se de improviso fosse ferido, ao ver surgir detrás do reposteiro a figura de Tomé da Herdade.
O pai de Berta vinha todo molhado, e parecia chegar de longa jornada. Trazia as faces mais afogueadas do que o costume e os olhos mais brilhantes. Em cada gesto e em cada movimento denunciava uma funda agitação, que lhe não era habitual. Ao avistar D. Luís, não pôde reter uma exclamação, como quem dera com o objecto que ansiosamente procurava.
Vencida a turbação dos primeiros instantes, o senhor da Casa Mourisca fez uma cortesia muito grave ao recém-chegado e dispôs-se para sair da sala.
Tomé da Póvoa não lho permitiu.
- Não, não, tenha paciência, Sr. D. Luís, não se retira assim. Eu vim para lhe falar e não me vou embora sem o fazer.
D. Luís parou e respondeu friamente:
- Os negócios da minha casa tratam-se com o meu procurador. Eu não posso...
- Deixemo-nos disso, fidalgo. Eu nada tenho, nem quero ter com o procurador de V. Ex.ª. Não foi ele quem me ofendeu; não é a ele que devo dirigir-me.
- Ah! então vem aqui pedir-me satisfações?!
- Venho, sim, senhor.
- Tem graça! - observou o fidalgo, com um sorriso cheio de aristocrático sarcasmo.
- Então V. Ex.ª acha que um homem que é insultado não tem o direito de vir perguntar à pessoa que o insultou a razão por que o fez?
- E supõe que eu já alguma vez me ocupei a insultá-lo.