Tomé, readquirindo a sua presença de espírito, respondeu:
- Procissão não digo, mas festa em que eu sou mordomo há-de haver aqui, se Deus me der saúde.
- Bem, visto que o Tomé é o juiz da festa, pode dispor do seu tempo sem pedir licença a ninguém. Por isso há-de conceder-me um momento de conversa.
- Não, não Sr. Jorge, tenha paciência; mas eu tenho grande empenho em dar andamento a isto.
- E eu absoluta necessidade de falar-lhe.
- Ora valha-me Deus! E eu então que estou quase a adivinhar o que me vai dizer!
- Talvez que não.
- O que lhe afirmo é que se me quer tirar da cabeça isto que se me meteu cá dentro, é tempo perdido.
- Não faça conjecturas antecipadas, Tomé. Sente-se primeiro.
- Pois vá lá. Vocês sigam por aí adiante - disse o lavrador, voltando-se para os criados - e além naquela nora...
- Pode mandá-los embora, Tomé - atalhou Jorge.
- Embora? Adeus! É o que eu digo! Olhe que se é com o fim de me dissuadir que...
- Mande-os embora, que está a cair meio-dia e pouco serviço podem fazer até lá. De tarde ou amanhã continuarão, se o Tomé achar conveniente.
- Não, não hei-de achar! Enfim vão lá à sua vida, mas em sendo duas horas...
- Ora adeus; deixe as ordens para lhas dar em casa, que tem tempo - atalhou pela segunda vez Jorge.
- Pois tenho, tenho, mas enfim... Ide lá com Deus.
E, ficando só com o jovem fidalgo, Tomé da Póvoa cruzou os braços e interrogou em tom de amigável enfado:
- Aqui me tem. Então o que é que me quer?
Jorge enfiou o braço no dele e, encaminhando-o para o tanque de pedra, limpo e esfregado de pouco pelos criados da Herdade, disse-lhe:
- Vamos sentar-nos ali, que o que eu tenho a dizer-lhe é sério e precisa de ser tratado com sossego e descanso.