Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 21: XXI Pág. 287 / 519

As chaves são para abrir as portas, e quem as tem entra quando quer.

- Sim, mas que tens lá que fazer?

- Oh! não me falta tarefa. Aquilo não viu enxada há bom tempo. Os canos estão entupidos, as minas por limpar, os tanques rotos, as ruas cobertas de erva, os muros no chão, e tudo o mais por este gosto.

- E então tu é que vais pôr isso tudo em ordem?

- Vou, sim senhora. É assim que hei-de ensinar aquele soberbo, que se julga desonrado, só porque eu lhe fiz um serviço insignificante. Pois agora veremos como rói estes que lhe vou fazer. Olha, mulher, vês aquele casarão negro, coroado de dentes, muitos dos quais já lhe caíram de velhos? Pois se eu não lhe puser dentadura nova e lhe lavar aquela cara, de maneira que pareça que está a rir e perca o ar carrancudo com que dali nos olha, não seja eu quem sou.

- Tu não estás em ti, Tomé. Vê lá no que te vais meter. São despesas grandes, e nem tu tens direito para semelhante coisa.

- Não sei de histórias. O homem não quer tomar conta da casa enquanto não pagar as suas dívidas; pôs-ma ao meu cuidado, e eu do que está ao meu cuidado cuido assim.

- Ih! Jesus, que homem este! Não faças as coisas no ar, Tomé.

- Qual no ar; prometi que hei-de trabalhar para pôr aquela casa em cima, só para fazer uma pirraça ao fidalgo; e ainda que tenha de hipotecar todos os meus bens e de arriscar o futuro dos meus filhos, hei-de fazê-lo.

- Mas já falaste com o Sr. Jorge a esse respeito?

- Não, nem preciso.

- Pois devias falar. É um rapaz ajuizado e que põe as coisas no seu lugar.

- O que ele me vinha dizer sei eu, e por isso é que não desejo falar-lhe, porque não quero que me tire isto da cabeça, nem quero brigar com ele. Mas os rapazes já estão à minha espera. Vamos lá. Dá cá as chaves, ouviste?

- Tomé, Tomé! Olha lá o que fazes! Eu não sei.





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