Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 3: III Pág. 31 / 519

a cabeça, a fingir-se entretido no exame da roda hidráulica de uma nora:

- E porque será que só os campos que nos pertencem estão cheios de ortigas e saramagos, Tomé?

Tomé da Póvoa voltou-se de repente para Jorge e fitou nele um olhar penetrante.

Porque o fazendeiro tinha às vezes um certo olhar que ia até ao fundo do pensamento de uma pessoa.

- Quer que lhe diga porque é, Sr. Jorge? - perguntou ele logo depois, com um tom de voz sério e quase triste.

- Quero, sim.

- É porque o dono deles é o Sr. D. Luís Negrão de Vilar de Corvos, fidalgo da Casa Mourisca, como por aqui lhe chamamos todos.

Jorge olhou interrogadoramente para Tomé, que continuou:

- É pela mesma razão por que chove nas salas do Morgado do Penedo e por que seus primos do Cruzeiro perderam o ano passado todo o Casal do Matoso. Se eu tivesse agora vagar para contar-lhe a minha vida, desde que saí aos vinte e dois anos de sua casa, Sr. Jorge, até hoje, o menino não me perguntava depois porque os seus campos estão cheios de serralha e de saramagos. Trabalhei muito, Sr. Jorge; não é só com água que se regam estas terras para as ter no ponto em que as vê; é com o suor do rosto de um homem. É preciso que o dono vigie por elas, sem confiar em ninguém, como um pai vigia pela educação dos filhos. Ora aí está. As bênçãos de um padre capelão não dão adubo às terras - acrescentou Tomé com um sorriso epigramático a comentar a alusão, que não escapara a Jorge.

- Mas como se explica isto, Tomé? - continuou Jorge com a docilidade de um discípulo. - Os meus avós nunca se ocuparam muito com a lavoura; passaram a vida quase toda na corte e nas embaixadas e raras vezes visitaram as suas terras, onde só vinham para caçar, e contudo a nossa casa era então uma das mais ricas da província, e hoje…

- Isso lá… Olhe, Sr.





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