- Entendo, Tomé, entendo, e creio que é essa a verdade. Além de que - prosseguiu Jorge pensativo - , naqueles tempos, as classes privilegiadas podiam entregar-se sem receio a uma vida de incúria e de dissipação, porque os privilégios velavam por elas e remediavam-lhes os desvarios; adormeceram nessa confiança e não sentiram que tinham mudado as condições sociais, e agora ao acordarem…
Jorge, que dissera estas palavras mais para si do que para o seu interlocutor, interrompeu-as subitamente, e, apontando para a Casa Mourisca, que dali se avistava, exclamou quase com desespero:
- E não será ainda possível sustentar aquela casa na sua queda?
Tomé da Póvoa sorriu com uma expressão de inteligência.
- Entregue-a às mãos de um lavrador, de um homem de trabalho, que possa dispor de alguns capitais para os primeiros tempos, e verá.
- Principiaria por deitar abaixo aquelas paredes velhas e aquelas árvores - observou Jorge, olhando com tristeza para o seu meio arruinado solar e para os bosques seculares que o rodeavam.
- Talvez deitasse - disse Tomé - pode bem ser que o fizesse, porque lá amor a essas coisas não têm eles, não. Mas não seria necessário. Eu, que também lhes tenho afeição, àquele arvoredo e àquelas paredes negras, porque ali passei um tempo… mau era ele decerto… mas enfim… sempre tinha vinte anos… , eu, que me não atreveria a deitar-lhe o machado… ainda me aventurava a pôr aquilo no pé em que esteve.