Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 3: III Pág. 33 / 519

Jorge não pôde tirar às suas palavras um ligeiro tom de amargura e quase de ironia quando, depois desta resposta de Tomé, exclamou, voltando-se para a Casa Mourisca:

- Espera, pois, casa de meus pais, que a nossa miséria nos expulse dos teus tectos e te abra as portas à família de um lavrador abastado, para veres reparados os teus muros e cultivados esses campos maninhos; assim Deus dê a esse homem um pouco de amor às coisas velhas, para te não destruir na reforma.

Tomé, que percebeu a oculta expressão dessas palavras, replicou com dignidade:

- Porque não há-de antes dizer, Sr. Jorge: Espera casa de meus pais, que Deus inspire um dos teus donos para que olhe por seus próprios olhos para os teus achaques e os cure por suas mãos!

- Os remédios são caros na botica, Tomé. Os pobres vêem às vezes morrer um doente, porque não podem comprar a droga que o salvaria.

- Senhor Jorge - acudiu Tomé com um ar quase solene - resolva-se deveras a ser homem, deixe-se de viver como vivem e têm vivido os seus, queira do coração fazer-se económico, trabalhador e vigilante, livre-se da praga dos seus mordomos e procuradores, deixe o padre dizer missas, mal ou bem, conforme puder, porque isso é lá com Deus e ele; faça tudo isto, e os capitais não lhe faltarão. O homem que principiou a ganhá-los naquela casa será um dos que não porá dúvida em empregá-los, até onde chegarem, para a sustentar e não deixar cair; e onde não chegarem os capitais, chegará o crédito.

- É uma esmola que me oferece, Tomé? - perguntou Jorge, mas sem o menor sinal de irritação.

- Não, Sr. Jorge, não é. Nem o menino ma aceitava, nem eu poderia fazê-la sem prejudicar meus filhos. Não é uma esmola, é um empréstimo, menos perigoso do que os arranjados pelo padre capelão.





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