Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 23: XXIII Pág. 321 / 519

Nesses corredores e escadas vazias e obscuras, ele, o senhor e proprietário do solar, movendo-se com o receio de ser descoberto! Que situação a sua! Que humilhadora situação para o seu orgulho!

As correntes de ar sibilavam melancolicamente ao enfiarem-se pelas fechaduras das portas e frestas que deitavam para a escadaria; os passos do fidalgo tinham sob aquelas abóbadas uma ressonância estranha.

Eram sem número os objectos que lhe recordavam os amargos momentos da sua alvoroçada saída da Casa Mourisca: caixões vazios, sacos, bocetas, papéis de empacotar, tudo jazia ainda em confusão nos corredores, como, na pressa dos preparativos, frei Januário os deixara. Sinais eram estes que parecia indicarem que desde aquele dia ainda ninguém entrara na Casa Mourisca.

Mais seguro já na persuasão de que não seria surpreendido nesta clandestina visita, D. Luís subiu sem o menor receio as escadas que levavam ao Sancta Sanctorum das suas afeições, à torre onde haviam sido os aposentos de Beatriz, aonde ela tinha vivido e expirado. Era esta a peregrinação que empreendera aquele desconfortado velho; para ali era que as suas intensas saudades o chamavam. Tinha já subido mais de meio lanço da escadaria, quando subitamente estremeceu, parando a escutar um mal distinto som que lhe chegara aos ouvidos. Correu-lhe no rosto uma palidez mortal, e a fronte principiou a cobrir-se-lhe de um suor como de agonia.

A turbação que sentia foi tão intensa, que teve de apoiar-se à parede para não cair.

Eram os sons longínquos de um instrumento de música, que partiam do lugar para onde ele se dirigia, vagos, confusos ainda, mas melodiosos como de harpa que, pendurada dos ramos dos carvalhos, vibra ao perpassar das brisas da tarde.

Na triste solidão





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