Calaram-se, como para melhor escutarem o rumor, que parecia já mais próximo.
Ouviu-se uma voz dizer:
- Vejamos contudo deste lado; a torre pode muito bem servir para pombal.
D. Luís estremeceu ao som daquela voz.
Outro respondeu em tom mais baixo:
- Parece-me que entrevejo uma porta aberta. Devagar, devagar.
- Ânimo, Maurício; olha se deixas perder as vantagens da tua bela posição.
- Maurício! - exclamaram ao mesmo tempo D. Luís e Berta, e uma intensa palidez cobriu o rosto desta.
D. Luís desviou para ela um olhar em que havia um fulgor de desconfiança.
- Ouviste?
Berta fez-lhe sinal afirmativo.
- Sabes o que significa isto?
- Não - respondeu Berta com firmeza, levantando a vista para o fidalgo, que a observava.
Na firmeza e limpidez daqueles meigos olhos, que não fugiam dos seus, ele conheceu a verdade da resposta.
- Não, juro-lhe que não - repetiu Berta com energia.
- Bem - tornou o velho, carregando o sobrolho e apertando a mão de Berta em sinal de protecção -, esperemos então.
Os que subiam estavam já na proximidade da porta.
D. Luís recuou alguns passos e ficou oculto pelo cortinado do leito da filha; Berta permaneceu imóvel com a mão apoiada à harpa.
Depois de alguns instantes de demora, a porta moveu-se vagarosamente sobre os gonzos, e no vão deixou aparecer a figura de Maurício, e mais atrás, meio encobertos pelas sombras do corredor, os dois malignos semblantes dos manos do Cruzeiro.
Maurício trazia o olhar desvairado e certa desordem de feições denunciadoras da orgia com que os primos traiçoeiramente o tinham preparado para o escândalo que meditavam.
Ao reparar em Berta, Maurício fitou-a com uma expressão de quase cínica ironia.
- Boas tardes, Berta - disse ele curvando-se com gesto de escárnio -, não sei se a minha presença interrompeu alguma doce meditação, que esta luz amortecida da tarde lhe estivesse inspirando.