Para isso principiou a amimar-me o filho, para isso prestou-lhe serviços com sinais de desinteresse, para isso o levou por sua casa e lhe meteu à cara a filha, e enfim, para assegurar ainda melhor os seus projectos, sabendo da predileção que eu mostrava pela rapariga, trouxe-ma para casa, porque, velho e doente como me via, conjecturou que bem podia ser deixar-me de tal maneira prender por ela, que não opusesse obstáculos aos seus projectos. Ora aqui está o que V. Ex.ª pensou. Negue-o, se é capaz.
D. Luís não ousou negar.
- Muito bem, fidalgo. O tempo é pouco, como disse, e por isso eu vou já direito ao meu fim. Eu logo vi que deviam ser estes os pensamentos de V. Ex.ª, porque, ainda quando as aparências eram menos contra mim do que desta vez, V. Ex.ª costumava sempre fazer a meu respeito suposições tão boas como esta. Por isso não pude sofrer a ideia de conservar nem mais uma hora minha filha nesta casa. Vim e vim à carreira para a levar comigo. Procurava dar um pretexto qualquer a esta retirada, mas foi desnecessário, porque logo vi às primeiras palavras de V. Ex.ª que já chegara tarde para remediar o mal que previra. Muito bem, nesse caso resta-me pouco a fazer para descargo da minha consciência e depois retiro-me.
Tomé passou a mão pela fronte, que tinha inundada de suor. Na voz como no semblante eram evidentes os sinais da sua excessiva comoção.
D. Luís, que ouvira conservando os olhos fitos no tapete do pavimento, sentiu-se involuntariamente obrigado a levantá-los naquele momento para os fitar na fisionomia do homem que tinha diante de si e que a seu pesar o impressionava.
- Fidalgo - prosseguiu Tomé, depois desta breve pausa - juro-lhe que nunca percebi estas afeições entre minha filha e o Sr. Jorge, juro-lhe que nunca pensei em que elas pudessem dar-se.