possuímos, mas para consumir o pouco que se obtém em gastos improdutivos, lavrar arrendamentos com que o senhorio nada lucra e com que a propriedade se empobrece, deixar ao desprezo terras não arrendadas, é a prática até hoje seguida, tão fácil como funesta.
- E quem te disse que é possível fazer outra coisa? - objectou já sem ironia o pai. - Os tempos actuais são de prova para famílias como as nossas, a maré que sobe traz à flor da água o que era lodo em outros tempos.
- Deixe-me tentar, meu pai.
- Tentar o quê, criança? Queres ser enganado e escarnecido por esses manhosos proprietários e rendeiros, com quem infelizmente temos de lidar? Que sabes tu da administração dos bens rurais?
- Aprenderei. A ciência, patente às faculdades de frei Januário, não é defesa a ninguém.
- Nem tu sabes o que pedes. Não corarias de vergonha no trato familiar, a que esses negócios obrigam, com homens grosseiros, insolentes, miseráveis de ontem, e que hoje nos atiram à cara com a sua riqueza?
- Procuraria dentre esses os de mais educação.
O velho encolheu os ombros com impaciência, murmurando:
- Educação! Eles!
- Porém, meu pai - argumentou Jorge com mais veemência -, é uma triste necessidade esta. Pense bem. Se é vergonha, como diz, procurá-los para tratar de negócios, maior vergonha será que nos procurem para nos expulsar desta casa; se a um homem da nossa família ficar mal velar por ela, pior e menos decoroso lhe será ter de deixar esta terra, onde já não possua um palmo de seu, sem poder atribuir essa desgraça senão à sua própria incúria. A memória dos nossos antepassados sofrerá menos se um dia se disser dos seus descendentes que trabalharam para livrar da destruição e de mãos alheias o solar que lhes pertencia: do que se se contar, apontando para as ruínas desta casa, que eles a deixaram cair e invadir por estranhos, sem respeito por as gloriosas tradições que a ilustravam.