- E depois, meu pai - acudiu Maurício - , que dor não seria o ver devassado por invasores o quarto em que morreu minha mãe, esta sala, o salão onde brincávamos em criança, até os aposentos de nossa irmã, da sua querida Beatriz?
A memória da filha morta comovia sempre o coração daquele velho, que ela ainda povoava de saudades; por isso curvou desalentado a cabeça assim que lhe ouviu o nome, e murmurou:
- Não; a minha miséria não irá tão longe. Creio que Deus não me reservará esse tremendo castigo. Morrerei primeiro.
- E nós, se lhe sobrevivermos, senhor, não sofreremos também? Quererá legar a seus filhos uma herança dessas? - interpelou-o Jorge.
O pai escondeu a cabeça entre as mãos, já sem sinais da rispidez com que principiara a cena, e não pôde responder a esta interrogação de Jorge.
Maurício sentiu-se comovido ante aquela sincera manifestação de dor que observava no pai, na presença deles de ordinário tão reservado.
- Não - acudiu ele, impelido por aquele sentimento - , o interior da nossa casa não será devassado por estranhos, nem na sua vida, meu pai, nem depois da sua morte. Dê-nos apenas permissão para trabalharmos, e nós juramos evitar essa humilhação.
D. Luís ergueu finalmente a cabeça e pela primeira vez fez sinal aos filhos que se sentassem junto de si.
Depois, dirigindo-se ao mais velho, já em tom menos severo:
- Jorge, - ponderou ele - a tarefa que queres empreender não é fácil. É verdade que não têm corrido pelas minhas mãos esses negócios, mas sei deles o bastante para prever os espinhos que neles encontrarias. Frei Januário não é um homem de talento, bem o sei, mas tem experiência e boa vontade de nos servir, e ainda assim não prospera esta casa, que foi das melhores da província.