Porém, no trato entre mãe e filhos, traía-se muita vez essa prudente discrição, e as fidalgas crianças iam recebendo a doutrina de que os outros lhes blasfemavam como de heresia e, naturalmente, seduzidas pela origem donde ela lhes vinha, abriam-lhe de melhor vontade o coração de que aos preceitos austeros e um pouco pedantescos dos mestres.
Demais, ouviam tantas vezes a mãe falar-lhes do irmão que perdera, dos seus sentimentos generosos, do seu nobre carácter e da sua dedicação heróica a bem da causa liberal, que eles, e o mais velho sobretudo, costumaram-se a venerar a memória do tio como a de um mártir e a vê-lo aureolado de um verdadeiro prestígio lendário.
Para isto, porém, concorreu mais que outrem o hortelão.
O velho soldado era uma crónica viva das batalhas e façanhas daqueles tempos históricos e um panegirista ardente do seu pobre oficial, cujo último suspiro recolhera.
As crianças sentiam-se instintivamente atraídas para a companhia do velho, em cujas narrações pitorescas e vivamente coloridas achavam um encanto irresistível. Feria-lhes fundo a curiosidade, a maneira por que ele falava dos trabalhos da emigração, dos episódios do cerco do Porto, da fome, da peste e da guerra, tríplice calamidade que conhecera de perto, das batalhas em que havia entrado, da bravura do seu amo, e finalmente do Imperador, por quem o mutilado veterano professava um entusiasmo quase supersticioso, e a cujo vulto a sua narrativa imaginosa dava um aspecto épico e sobrenatural.
As crianças não se fartavam de interrogar aquela testemunha presencial de tantos feitos heróicos.
E assim eram neutralizadas as doutrinas dos pedagogos eruditos, encarregados da educação dos filhos de D. Luís, e estes iam crescendo afeiçoados aos princípios liberais, que amavam de instinto, antes de os amarem de reflexão.