Mas pensa enquanto é tempo, filha, no mal que a ti própria fazias, se estouvadamente te deixavas enfeitiçar. Eles são os fidalgos que sabes, e mais fidalgos ainda se julgam do que são. Tu, rapariga, és minha filha, e eu sou um lavrador que já servi naquela casa. Entendes? Ó Berta, por quem és, não me faças arrepender da educação que te dei. Porque eu, às vezes, tenho minhas dúvidas. Digo eu comigo: «Faria eu bem em educar a minha filha assim? Se a tivesse deixado viver na aldeia e a criasse como a filha de lavrador, dava-lhe um marido lavrador, e ela havia de estimá-lo e de ser feliz com ele, e de olhar com amor pelos filhos descalços que lhe andassem pelos campos e apegados à saia de baeta; mas assim… Quem poderá costumá-la a isso? Mas que outro marido pode ela escolher?».
Berta escutou o pai com um sorriso nos lábios, mas sorriso que não anulava a expressão melancólica e pensativa que conservava o resto das feições. Mais de uma vez se perturbou ao ouvi-lo, mas cedo adquiriu a serenidade habitual.
Neste ponto atalhou-o dizendo:
- São prudentes os conselhos que me dá. Farei por não os esquecer. Mas não se inquiete pela minha sorte. Nunca me deixei iludir pelos bens que a sua bondade me tem permitido gozar na vida; não perdi de vista o que sou. Sei ao que devo aspirar, e farei por não colocar a felicidade muito acima do alcance de meu braço. Na amizade de Maurício creio que não haverá perigos para mim; mas, se os houver, hei-de saber fugir-lhes. Foram meus companheiros, quando brincávamos todos naquela casa; quero-lhes por isso, mas sei o que deles me separa.
- Lá de Jorge nada temas. É um carácter sério aquele. Se disser que é teu amigo, é teu amigo deveras: senão, não to diria; mas este…
- Jorge é ainda o que sempre foi.