Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 22: XXII Pág. 314 / 519

Quem pode referir as saudades que lhe pululavam no coração ao voltar, depois de tantos anos decorridos, àqueles lugares saudosos?

Quem não tenha ainda experimentado na vida sensações daquelas nunca chorou as mais sentidas e ao mesmo tempo as mais consoladoras lágrimas que os olhos podem verter.

Voltar com os pensamentos da juventude ou da virilidade, com a experiência adquirida no trato do mundo, com a memória dos dolorosos embates sofridos no meio das lutas da vida, e a impressão das paixões gravada fundo na alma; voltar assim ao lugar dos nossos jogos de infância, dos nossos risos e choros pueris, uns e outros tão sem razão nem vestígios, olharmo-nos outra vez, depois de longa ausência, em frente dos objectos que nos assistiram aos brinquedos, que parece saudarem-nos ainda como se nos vissem crianças, sentirmos em um momento dissipar-se-nos da memória todos os tempos intermédios e como que ressuscitarem as ideias, os gestos, os pensamentos daquela época, como se apenas tivessem adormecido para acordarem mais vivos, é uma das mais violentas e ao mesmo tempo mais gratas comoções que pode experimentar uma alma humana; e a que não ceder e se não abrandar sob essa influência é uma alma perdida para os afectos e para a regeneração.

Poderia a de Berta estar neste caso, a dela, alma sensível e amorável, para a qual o passado era objecto de um fervoroso culto? Poderia olhar sem lágrimas para aqueles lugares, onde lia como que página por página a sua vida de então?

Chorou, chorou sentada no banco musgoso, junto de uma fonte, onde ela e Beatriz tantas vezes vinham sentar-se, e onde Jorge e Maurício corriam a ter com elas, logo que terminavam as suas horas de estudo.

Era tarde quando voltou a si o pensamento daquela digressão pelo passado.





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