Faltou-lhe porém ainda a resolução para a abrir e entrar. Apoderou-se dela uma espécie de pavor sagrado no momento de penetrar ali. Parecia imporem-lhe respeito aquelas árvores seculares, aquelas heras vigorosas que forravam os muros da quinta e o silêncio que pairava naquela habitacão abandonada. As sombras melancólicas da tarde cresciam. E Berta retirou-se no fim de alguns momentos, quase tomada de entranhado terror.
No dia seguinte voltou ainda à Casa Mourisca. Armara-se, ao partir, de maior resolução. Prometera a si própria não hesitar um só momento ao abrir a porta, para não dar tempo a possuir-se da mesma fraqueza.
Assim fez; ao chegar à pequena porta da quinta, introduziu resolutamente a chave e abriu-a. Estava enfim dentro dos muros da Casa Mourisca. Cobria-a o denso toldo de ramos entrelaçados dos carvalhos, dos freixos e dos cedros; estalavam-lhe sob os pés as folhas crestadas, de que os ventos do Outono haviam alastrado o chão; prendiam-se-lhe aos vestidos as silvas espinhosas, que cresciam à vontade, de mistura com os fetos e ortigas; à sua chegada houve um súbito rumor de aves esvoaçando surpreendidas, e de répteis escondendo-se por entre a folhagem seca do chão. O bosque tinha um aspecto de braveza selvagem, adquirida durante longos anos de independência de cultura. Era esplêndida a anarquia daquela vegetação.
Berta parou afectada de inexplicável susto.
Tudo recaiu em silêncio; apenas se ouvia um leve ramalhar das árvores, denunciando a passagem de uma brisa ligeira, a queda de algum ramo seco desprendendo-se da árvore, o pio tímido de algum pássaro escondido, e, um pouco mais distante, o rumor monótono e confuso das fontes e cascatas.
Dissipadas as primeiras impressões, o sagrado terror que infunde no espírito o aspecto de um bosque secular àquela adiantada hora da tarde, Berta aventurou alguns passos e pôde percorrer os sítios da quinta que lhe eram mais conhecidos.