Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 23: XXIII Pág. 324 / 519

- Meu Deus! meu Deus! tende misericórdia de mim! - murmurava ele, passando a mão na fronte pálida. - Se isto é um sonho, deixai-me morrer a sonhá-lo!

E vergaram-se-lhe os joelhos diante daquela porta misteriosa, e, soluçando e rebentando-lhe enfim impetuosas as lágrimas dos olhos, caiu, dizendo em uma desvairada exclamação:

- Ó minha filha! minha filha! Se és tu que assim me arrebatas deste mundo, tem compaixão de teu velho pai e não partas sem que lhe apareças um instante que seja!

Calaram-se de súbito os sons da harpa e da voz feminina. E, pouco depois, a porta abria-se e Berta aparecia no limiar.

Ao ver o fidalgo de joelhos, com a cabeça escondida entre as mãos e soluçando, a filha de Tomé da Póvoa correu para ele comovida:

- O Sr. D. Luís! O meu padrinho! Oh! perdão, perdão! - exclamava ela.

E o susto que a voz do velho lhe havia causado, ao interromper-lhe inesperadamente o canto, cedeu o passo à sentida aflição.

À voz de Berta, D. Luís ergueu a cabeça e fitou a afilhada com um olhar espantado e interrogador.

As lágrimas desciam-lhe ainda a duas e duas pelas faces emagrecidas.

- Perdão, perdão, meu bom padrinho - prosseguia Berta, tentando erguê-lo -, fiz mal, bem o vejo, bem o sinto agora... mas havia tanto tempo que eu desejava visitar estes sítios! não chore, Sr. D. Luís, por amor de Deus perdoe-me!

O fidalgo, quase ainda alheio ao que se passava, deixou-se erguer e conduzir por Berta para dentro do quarto, e sentou-se, sem consciência dos seus actos, na cadeira junto da harpa, cujas últimas notas parecia ainda vibrarem no espaço.

A comoção violenta quebrara-lhe as forças.

Os braços e a fronte pendiam-lhe em um desfalecimento profundo.

Berta ajoelhou-se-lhe aos pés, tomando-lhe as mãos, beijando-as e cobrindo-as de lágrimas.





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