Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 23: XXIII Pág. 325 / 519

- Se eu imaginasse que podia causar-lhe esta pena, não teria vindo. Foi uma loucura minha; agora é que vejo; mas trazia isto na ideia havia tantos dias!... Só hoje me atrevi a subir aqui... Se soubesse como chorei ao tornar a ver este quarto e estes objectos, que todos conhecia! Todos! Oh, não se aflija, Sr. D. Luís, e perdoe-me, perdoe-me por quem é, perdoe-me por amor dela. Fiz mal, bem conheço, mas, como também lhe queria muito... Depois, assim que vi esta harpa... Ó meu Deus, que saudades! Como me lembrei dela, da música que tantas vezes lhe ouvi, da canção que ela preferira... Quis avivar essas recordações e... Mal sabia eu o que estava fazendo! Como era cruel sem o suspeitar! Quem me há-de perdoar o mal que lhe fiz? Imagino o que sofreu, o que está sofrendo ainda... E ser eu quem lhe avivou essas feridas!... Não me queira mal por isso. Foi a saudade que me trouxe até aqui, a saudade daquele anjo que eu conheci no mundo. Por amor dele lhe peço que me perdoe a dor que lhe causei.

E a voz de Berta tremia ao falar assim. D. Luís não a interrompera, porque a agitação era ainda nele muito forte para o deixar falar.

Pousando, porém, as mãos na cabeça de Berta e afastando-lhe os cabelos da fronte com um gesto de paternal carinho, fitou-a com os olhos ainda enevoados de lágrimas e disse-lhe, suspendendo-se a cada palavra, em luta com a comoção que o sufocava:

- De que me pedes perdão, Berta? Destas lágrimas? Oh! deixa-as correr, que há muito não choro lágrimas que me dêem um alívio assim. Eu sou que te digo: Obrigado, Berta, obrigado, que me fizeste entrever a felicidade que o céu me pode ainda dar; nestes curtos instantes da minha ilusão luziram-me uns lampejos de alegria celeste. Tu só podias ressuscitar-me a filha, e eu quase a senti ao ouvir-te, ao escutar essa abençoada música e a voz, que julguei que só me chegaria outra vez aos ouvidos, se um dia me fosse dado escutar a dos anjos no Céu.





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