Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 23: XXIII Pág. 323 / 519

- É uma alucinação - pensava ele, esforçando-se por dominar aquela fraqueza -, é uma quase loucura produzida por esta ideia fixa, que nunca me abandona.

E continuava a subir com passos ainda mal seguros as escadas da torre.

Mas os sons, que ele julgava efeito dos sentidos alucinados, longe de se desvanecerem, cada vez se ouviam mais distintos. Sem dúvida alguma partiam dos aposentos de Beatriz.

Estava terrivelmente pálido o fidalgo. A vista vagueava-lhe com a mobilidade que produz o delírio. Há situações na vida em que a razão mais segura vacila e sente-se vergar sob a influição das mais supersticiosas crenças.

D. Luís naquele momento acreditava sinceramente na realidade das aparições.

A distância permitia-lhe já distinguir a melodia que executava a harpa. Também lhe era conhecida; era a de uma canção predilecta de Beatriz, uma música cheia de recordações para o pobre pai. O presente desaparecia naquele momento; o passado ressurgia com toda a luz, que desde muito se lhe apagara na carreira da vida. Chegara quase à porta do quarto de onde partiam os sons. Restava entrar... Mas o que o esperava ali? Talvez se desvanecesse o encanto e a vazia realidade o aguardasse para o punir!

A razão de D. Luís não podia formar juízos sobre o que se estava passando. A mão trémula que se estendeu para abrir a porta do quarto misterioso pendeu desfalecida, e o velho permanecia imóvel no patamar, subjugado pela força daquele encantamento.

Neste tempo juntara-se aos sons da harpa a voz de uma mulher; baixinho, quase a medo, como a ave a ensaiar o canto ao renascer da estação, cantava a letra da mesma cancão que Beatriz preferia. Era um timbre juvenil, sonoro, agradável, o daquela voz, e, na meia altura a que se elevava, havia um não sei quê de místico e sobrenatural, que veio completar a alucinação do velho.





Os capítulos deste livro