Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 12: XII Pág. 142 / 519

O padre respondeu à Ana do Vedor:

- Ó mulher, guarde lá a sua língua, que nos não tira a sede que trazemos, e dê-nos antes uma pinga do verde, porque o nosso pichel vai vazio de todo.

E com a maior sem-cerimónia entraram para o pátio, poisando as espingardas e os aparelhos de caça.

O doutor sentou-se nos degraus da porta da cozinha, o padre na pilha de lenha que havia no quinteiro.

A Ana do Vedor, com as mãos na cinta, observava-os e prosseguiu na objurgatória:

- Com que então o Sr. abade e o Sr. doutor e o Sr. seu mano entendem que as leis destes reinos não foram feitas para vossemecês?

- A que vem agora essa cantilena, ó mulher? Dê-nos vinho - insistiu o padre.

- A que vem? - tornou a ti'Ana. - Aí está o meu Clemente, que melhor o pode dizer.

Os dois voltaram-se e viram Clemente, que, pela sua vez, apareceu à porta.

- Ah! ah! O Sr. regedor!

- Pelos modos o homem está zangado connosco por lhe escondermos o filho do soqueiro, queres tu ver?

Maurício tomou o partido de Clemente.

- Bem sabem que é da responsabilidade dele.

- Ora deixa-te de contos - atalhou o doutor.

- O pior é que, vistos os autos, não temos vinho - fez notar o padre.

- Está enganado, Sr. abade - veio-lhe à mão Clemente. - Fosse um criminoso que me pedisse de comer e de beber, quando passasse à minha porta, eu, com ser regedor, não lho recusaria. O que a minha casa não há-de ser, isso não, é esconderijo de ladrões, de malvados e de refractários; nem sei que grande glória venha daí a quem tanto mal faz à sociedade, não deixando que se cumpram as leis. O vinho aí está.

Efectivamente apareceram dois rapazes, empunhando cada qual uma caneca a transbordar de puríssimo vinho verde, que os dois caçadores esvaziaram de um fôlego.





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