Sabes que mais, meu filho? Deixa-os lá e não te consumas com isso. Olh'agora!
Estas eram as máximas que o cepticismo inspirava já a Ana do Vedor.
Clemente encolheu os ombros.
- Ou hei-de ser regedor ou não hei-de ser. Por isso é que eu digo que vou pedir a demissão. Para injustiças é que eu não sirvo. Não quero que se diga que, quando um pobre homem faz alguma coisa, já tudo são pressas para o prender e castigar, e lá porque uns senhores... Senhores? Melhor tratassem de pagar o que devem a meio mundo, e não andassem por aí a fazer o que fazem.
- Vamos, Clemente, perdoa-lhes as rapaziadas, porque afinal eles são teus amigos - interveio Maurício.
- Amigos eles?! Muito agradecido; mas nem acredito na tal amizade, nem também a desejo; isto é para dizer o que é verdade.
Interromperam-no neste ponto duas vigorosas vozes masculinas, que bradavam da rua:
- Maurício! Ó Maurício! Que diabo fazes tu aí dentro, com o cavalo preso à porta? Eh!
- Tu também pões mão na fornada?
- Parece-me mais certo que ponha mão nas forneiras.
A ti'Ana foi a primeira que tomou a palavra:
- Falai no ruim... São os do Cruzeiro.
E, chegando ao limiar da porta, exclamou com os seus modos desempenados:
- Que é lá, que é, meus fidalguinhos? Que temos nós que dizer das forneiras? Em minha casa não há monte para caçadas de galgos como vossemecês. Entendem? Deixem sossegado o Maurício, que já não pouco mal lhe têm feito com os seus conselhos e companhia.
Maurício apareceu aos primos, rindo do sermão da Ana.
Clemente permanecia carrancudo no fundo da cozinha.
Os primos do Cruzeiro, o doutor e o abade, vestiam à maneira do campo, de jaqueta de alamares, faixa vermelha à cinta, chapéu de abas largas, de espingarda ao ombro, cães em redor, e as vítimas das suas façanhas venatórias pendentes ao tiracolo, como troféus de combate.