Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 16: XVI Pág. 211 / 519

A presença de Jorge naquele lugar somente a podia explicar aceitando a hipótese maligna dos do Cruzeiro; e na recordação da conversa que tivera com o irmão a respeito da filha de Tomé via agora um excesso de dissimulação e hipocrisia, que o revoltavam tanto mais veementemente quanto maior era o respeito que até ali lhe mereceu o carácter de Jorge.

Por isso a severa interpelação deste fez rebentar em explosão aquela cólera mal reprimida.

- Escusas de te armares com os teus costumados ares de juiz e de censor, Jorge, - exclamou Maurício indignado - bem vês que, desde este momento, perdeste para mim todo o prestígio e toda a autoridade moral. Tive até hoje candura bastante para tomar a sério o teu carácter de prudência e a tua lealdade, mas, desde que vejo a hipocrisia que havia em tudo isso, sou eu que domino e que tenho o direito de interrogar e de censurar.

- Enlouqueceste, Maurício? - perguntou Jorge em tom quase de piedade, que mais irritou o irmão.

- Que indigna e ridícula comédia andas tu a representar neste mundo?- tornou este quase alucinado. - Na tua idade tens já coragem para tanto! Armares-te de severidade pedante contra as minhas loucuras de rapaz, loucuras leais afinal de contas e a descoberto, loucuras, mas não vilezas, e ocultas na sombra actos que a mim, ao estouvado e perdido, fariam corar de vergonha. Oh! Não te invejo o talento de comediante, Jorge.

- Maurício, repara que não estás em ti.

- Sim, eu tenho esse defeito. Não sei medir as minhas palavras, não sei encobrir, nem disfarçar; tudo o que penso me vem aos lábios. Ontem dizia que te estimava e respeitava, e era verdade; hoje digo-te que te desprezo e te lastimo, e é verdade também. Cuidas que não me recordo das tuas palavras e dos teus conselhos





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