- Pois sim, mas... - titubeou o lavrador, já abalado.
- Sabe o que consegue com isso, Tomé? consegue uma vinganca aparente, que fala mais aos olhos, isso é verdade; mas não a vingança real, generosa e nobre, representada pelo seu empenho em auxiliar-me deveras na obra que empreendi. Consegue contrastar as minhas ambições; sou eu quem mais sofro da sua vingança. Esta casa, como sabe, é apenas uma pequena parte da nossa propriedade, mas é a que, por assim dizer, a representa. O povo, enquanto não vir renovar aquelas ameias caídas, aclarar aquelas paredes negras, restaurar aquela capela abandonada, nunca se persuadirá de que a nossa casa conseguiu escapar do naufrágio em que esteve para perder-se. Quando eu tivesse assentado em bases sólidas esta propriedade que encontrei vacilante, quando pudesse desafogadamente chamar meu ao mesmo que meus avós chamaram deles, havia então de renovar esta velha habitação, que só então teria o direito de sorrir defronte da sua Herdade, Tomé, e dessas alegres casas que aí se estendem por a colina abaixo. Nesse dia ficaria o povo sabendo que eu tinha cumprido um dever e havia de respeitar-me por força. Mas o Tomé quer privar-me dessa glória. Vai fazer sorrir esse fiel confidente dos nossos infortúnios, quando ainda o sorriso é uma mentira e uma ironia aos seus proprietários. Depois, embora eu lute e obre prodígios, e consiga vencer, o povo dirá: Os fidalgos da Casa Mourisca estão hoje melhor do que já estiveram. Houve um homem, o dono da casa ali defronte, que teve compaixão deles e lhes restaurou por esmola a casa que caía em ruínas. Não falarão nos seus outros valiosos serviços, que não os conhecem, nem apreciam; não falarão daqueles de que me não envergonho, antes me orgulho de confessar.