A violência das impressões que deixara em Tomé da Póvoa a entrevista com o fidalgo da Casa Mourisca não era para se desvanecer com o inquieto sono de uma só noite.
No dia seguinte, pela manhã, o fazendeiro acordou ainda indignado e firme na resolução que abraçara, de se vingar a seu modo. Nem o ânimo impaciente lhe sofria grande demora na execução.
Logo de madrugada principiou a dispor as coisas para naquele mesmo dia inaugurar a empresa. Deu contra-ordens a criados que tinham serviço talhado de véspera; foi mais expedito na visita quotidiana às diversas repartições do casal; afagou mais distraído a égua fiel, que lhe cheirava os bolsos, habituais portadores de uma lambarice matutina; deu um beijo nas crianças, sem se demorar a fazê-las saltar nos joelhos; mandou que lhe fizessem o almoço mais cedo; depois de almoçar calado, contra o seu costume, ergueu-se da mesa, ordenou que três criados se preparassem para sair com ele, levando alguns instrumentos da lavoura, e afinal acabou por pedir à mulher as chaves da Casa Mourisca.
Luísa, a boa, a prudente Luísa, que desde a véspera observava, sem reflexões, os sinais de desassossego de espírito que manifestava o marido, não pôde, ao ouvir a última ordem, reprimir um movimento de estranheza, e violentando um pouco o seu respeito conjugal, disse, olhando fixamente Tomé:
- As chaves da Casa Mourisca?! Para que queres tu as chaves da Casa Mourisca?
- Provavelmente para abrir as portas.
- E tu vais lá?
- Vou, e olha que já há mais tempo lá me queria.
- E que vais fazer à Casa Mourisca, Tomé?
- O que vou fazer? Vou trabalhar.
- Trabalhar?! Pois tu tomaste-a de renda?!
- Tomá-la de renda? Para quê? Então o fidalgo não me deu as chaves? Então não embirrou em que eu havia de ficar com elas? Pois para espantalho não me servem cá em casa.