D. Luís levou para ali o cavalo, que prendeu ao varão oxidado e torcido de um caixilho de janela, e saiu outra vez, continuando a rodear a quinta.
Havia um lugar onde o muro era em parte derrubado e facilitava extremamente o ingresso. Sabiam-no bem uns certos rondadores noctívagos, que tantas vezes por ali efectuavam as suas explorações depredatórias no mal vigiado terreno da Casa Mourisca.
Foi por o mesmo caminho desses visitadores suspeitos que o proprietário daquele nobre solar aí entrou furtivamente, e coroando do passo a que a violência de uma entranhada saudade o impelia.
Dentro em pouco achava-se na quinta.
Caminhou inteiramente agitado pelas ruas solitárias, atravessou as devesas, onde àquela hora não penetrava um só raio de Sol, e sem vacilar seguiu na direcção da casa. Ao chegar ao pátio, viu aberta uma pequena porta por onde habitualmente se fazia o serviço do palácio.
Ocorreu-lhe só então que poderia estar alguém lá dentro, àquela hora.
Se se encontrasse ali com Tomé, como conseguiria arrostar com a vergonha de ser por ele descoberto naquela visita furtiva? Ia a recuar, mas o impulso interior a obrigá-lo a progredir era mais forte. Venceu. Aproximou-se cautelosamente da porta e ficou-se a escutar por alguns instantes. No interior havia o mais completo silêncio. Não se divisavam vestígios que denunciassem presença de alguém estranho. D. Luís deu a medo alguns passos no limiar, subiu os primeiros degraus da escada, hesitando e escutando a cada passo que dava e a cada degrau que subia.
Sempre o mesmo silêncio.
Pensou então o velho fidalgo que bem poderia ser que na precipitação da saída tivesse ficado aberta aquela porta; e animado por esta hipótese adiantou-se mais resoluto.
Havia nas largas escadas uma luz froixa e quase misteriosa; esta luz e aquele silêncio eram dos que infundem no ânimo um sentimento quase de pavor.