Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 23: XXIII Pág. 328 / 519

Calaram-se, como para melhor escutarem o rumor, que parecia já mais próximo.

Ouviu-se uma voz dizer:

- Vejamos contudo deste lado; a torre pode muito bem servir para pombal.

D. Luís estremeceu ao som daquela voz.

Outro respondeu em tom mais baixo:

- Parece-me que entrevejo uma porta aberta. Devagar, devagar.

- Ânimo, Maurício; olha se deixas perder as vantagens da tua bela posição.

- Maurício! - exclamaram ao mesmo tempo D. Luís e Berta, e uma intensa palidez cobriu o rosto desta.

D. Luís desviou para ela um olhar em que havia um fulgor de desconfiança.

- Ouviste?

Berta fez-lhe sinal afirmativo.

- Sabes o que significa isto?

- Não - respondeu Berta com firmeza, levantando a vista para o fidalgo, que a observava.

Na firmeza e limpidez daqueles meigos olhos, que não fugiam dos seus, ele conheceu a verdade da resposta.

- Não, juro-lhe que não - repetiu Berta com energia.

- Bem - tornou o velho, carregando o sobrolho e apertando a mão de Berta em sinal de protecção -, esperemos então.

Os que subiam estavam já na proximidade da porta.

D. Luís recuou alguns passos e ficou oculto pelo cortinado do leito da filha; Berta permaneceu imóvel com a mão apoiada à harpa.

Depois de alguns instantes de demora, a porta moveu-se vagarosamente sobre os gonzos, e no vão deixou aparecer a figura de Maurício, e mais atrás, meio encobertos pelas sombras do corredor, os dois malignos semblantes dos manos do Cruzeiro.

Maurício trazia o olhar desvairado e certa desordem de feições denunciadoras da orgia com que os primos traiçoeiramente o tinham preparado para o escândalo que meditavam.

Ao reparar em Berta, Maurício fitou-a com uma expressão de quase cínica ironia.

- Boas tardes, Berta - disse ele curvando-se com gesto de escárnio -, não sei se a minha presença interrompeu alguma doce meditação, que esta luz amortecida da tarde lhe estivesse inspirando.





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