Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 30: XXX Pág. 421 / 519

Através das mais fortes distracções sentia como a sombria projecção de uma nuvem negra.

Quando um poderoso motivo de desgosto nos amargura o coração, não é de todo impossível afastá-lo do pensamento por um esforço de distracção, mas a impressão dolorosa que ele produziu não se desvanece completamente; persiste um vago sentimento de mágoa, um indefinido mal-estar, que ainda nesses raros instantes nos aflige, sem que o expliquemos.

Estava-se dando com Jorge este fenómeno.

Conseguia fixar a atenção no estudo, vencer as dificuldades de um problema, profundar as questões mais obscuras, mas o espírito mantinha-se doente; estas vitórias da inteligência não lhe provocavam aquele prazer que de ordinário as acompanha. Parecia que o coração perdera a elasticidade necessária para vibrar dessa maneira.

Quando se trabalha em tais disposições de ânimo, o esforço extenua a actividade do espírito, toma o carácter de uma febre consumptiva, de uma chama que se alimenta gastando as forças e a vida.

Depois havia momentos em que os instintos se revoltavam contra a tirania da razão, em que os gelos do temperamento de Jorge como que se fundiam no calor do seu sangue de adolescente; e então com um frenesi de desespero concebia os mais arrojados projectos. Resolvia romper com todos os preconceitos, com todas as considerações sociais, e obedecer somente aos impulsos do coração, que ele julgava nesses momentos os únicos autorizados motores das acções do homem. A estes paroxismos sucedia um desalento mais profundo e uma sombria tristeza.

E o resultado desta luta moral, deste isolamento, deste excesso de trabalho, revelava-se-lhe no semblante alterado e na palidez, que aumentava de dia para dia.

A amargura daqueles dias passados nas salas desertas e nas devesas melancólicas da Casa Mourisca havia-o abatido a um ponto, que, ao chegar à presença dele, Clemente encarou-o com gesto de espanto.





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