Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 33: XXXIII Pág. 455 / 519

.. Lembra-me que, já em pequenino, se o pai ou a mãe lhe ralhavam, ficava aquela criança entalada e sem chorar, mas era sabido que o tinham doente por uma semana. Foi sempre assim. Brioso como uma pessoa de juízo. Agora é capaz de estalar de paixão e deixar-se morrer por aí sem se queixar. Pois, ao poder que eu possa, tal não há-de suceder. Isso lhe prometo eu.

Neste solilóquio foi vencendo a boa mulher a distância que a separava da Herdade, onde chegou na ocasião em que Tomé e a sua companheira examinavam e discutiam juntos na sala de jantar as vantagens da aquisição de um campo que o lavrador trazia em vista.

A Ana do Vedor foi recebida como quase parenta que era da família.

- Viva a ti’Ana! - exclamou folgadamente Tomé - a mais guapa das raparigas do meu tempo, sem querer fazer desfeita à Luísa.

- Lá se viu qual das duas ele escolheu - acudiu com igual humor a mãe de Clemente.

- Então que quer? tudo neste mundo é sorte. Além de que a ti’Ana já andava tentada com aquela alma lavada do João Vedor, e não se lhe dava volta.

- Foi o que te valeu, Luísa, senão bem perdias esta boa jóia.

Luísa sorriu bonacheironamente, como sempre fazia quando o marido gracejava.

- Mas que santa a trouxe a esta sua casa? - perguntou Tomé. - Olá, vamos cá a saber, quer tomar alguma coisa?

- Qual história! De almoçar venho eu, e isso mesmo sabe Deus o que me custou.

- Então andas doente, Ana? Informou-se Luísa com bondosa solicitude.

- Eu doente? Ora essa! Eu sou lá criatura que adoeça?!

- E como vai o Clemente? o nosso Clemente? - perguntou Tomé - porque eu e Luísa também já o podemos chamar nosso.

- Devagar, devagar, o melhor é não se acostumarem a isso, para não lhes custar depois a perder o costume.

- A perder o costume? E por que havemos nós de perder?

- Porque já lá vai o afilhado de quem éramos padrinhos.





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