- Não a entendo, ti’Ana.
- Ora a coisa é simples. E vocês o que devem é erguer os olhos mais para o alto.
- Ó ti’Ana, se quer que a entenda, fale-me claro e cá à nossa moda: pão pão, queijo queijo.
- Pronto. Para aí vou eu. Pois aí tem: o casamento da sua rapariga com o meu rapaz foi caso falado e acabou-se.
- Acabou-se? Como acabou-se? Por quê?
- Porque Berta não tem para aí o sentido.
- Olha essa! Então ela não disse...
- Disse, sim, senhor, disse que casava, e também o disse a meu filho, mas acrescentou que não lhe levaria o coração consigo.
- Berta disse isso? Quando? A quem? A Clemente? Não pode ser!... Mas não leva o coração... Por quê?
- Porque já não o tem.
- Como já não o tem?
- Porque já fez presente dele.
- Que está a dizer, ti’Ana? Já fez presente do coração! Berta? A quem?
- Ora diga a verdade, Tomé, não suspeita mesmo, mesmo de ninguém?
- Na minha salvação, que não.
- Pois olhe que é verdade.
- Mas a quem?
- A uma pessoa que vinha por aqui.
- A uma pessoa que vinha...
- Ai, Tomé, que bem o suspeitava eu - exclamou Luísa, juntando as mãos.
- Cala-te, mulher; aí voltas tu com as tuas tolices; mas diga, ti’Ana...
- Que suspeitavas tu, Luísa?- perguntou Ana do Vedor.
- Que eles tinham alguma inclinação um para o outro.
- Eles quem?
- Ninguém, ninguém. Esta minha mulher de vez em quando tem visões.
- Eles quem? - insistia a Ana do Vedor.
- A nossa rapariga e...
- Cala-te, Luísa, tu não tens vergonha? - atalhou o marido.
- E quem mais? Acaba - repetiu Ana.
- E o fidalgo - completou timidamente Luísa.
- Jorge? Pois adivinhaste.
- Ah! - exclamou Luísa, com natural satisfação.
- O quê? - bradou Tomé, erguendo-se com ímpeto e corando - adivinhaste? adivinhou? Quem?.