Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 37: XXXVII Pág. 502 / 519

Jorge interrompeu os seus trabalhos, Maurício nunca saía de casa, e a baronesa passeava constantemente entre a sala, onde quase sempre permaneciam os dois irmãos, às vezes na companhia de Tomé e o quarto do enfermo, que mal consentia junto de si outra pessoa além de Berta.

Uma noite, D. Luís, depois daqueles três dias de febre e quase de delírio, conseguira adormecer de um sono mais tranquilo e reparador. Não foram os sonhos incoerentes absurdos e fatigadores que o atormentaram desta vez; mas um sonhar grato, sem visões febris, e durante o qual a imagem da filha por vezes lhe apareceu sorrindo-lhe e falando-lhe com o carinho de que ele ainda se recordava com a mais pungente saudade do seu coração. Esta imagem transformava-se-lhe às vezes por insensível transição na imagem de Berta, e tão semelhantes, tão confundidas lhe apareciam, que ele nem sabia ao acordar com qual das duas sonhara. Umas vezes era a filha que lhe falava com a voz e sob a figura de Berta; outras, Berta revestindo a imagem de Beatriz.

Despertou deste sono por alta e calada noite. No aposento era completo o silêncio. Interrompia-o somente o bater cadenciado da pêndula do corredor. A ténue claridade de uma pequena lâmpada alumiava a cena.

D. Luís depois de acordado tentou avivar as gratas impressões que lhe deixara o sonho. Pensou na filha e no passado, nas tristezas presentes, nas venturas pendidas e nas desgraças por vir.

Àquela hora da noite, na solidão e repouso da câmara de um doente, o espírito ergue-se superior à habitual esfera onde ordinariamente paira e contempla com a vista de águia as suas paixões e preconceitos; vê-os flutuar com nuvens nas regiões inferiores. É nesses momentos que a consciência nos julga; a parte mais etérea do nosso ser





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