Naquele momento D. Luís não era o mesmo homem moral que conhecemos. Luzia-lhe a verdade resplandecente à sua imaginação fascinada.
No meio da corrente dos seus pensamentos distraiu-o um quase imperceptível respirar que ouviu a seu lado. Voltou-se.
Era Berta que, cedendo às fadigas de tão continuadas vigílias, adormecera junto do leito do doente.
D. Luís ficou a contemplá-la assim.
A luz do velador dava-lhe no rosto, em que se desenhava a mais doce expressão de serenidade de espírito. Pendia-lhe a cabeça sobre as travesseiras do leito e uma madeixa de cabelo, soltando-se-lhe, viera afagar-lhe a fronte, abrindo caminho por entre os dedos que a sustinham.
D. Luís ergueu-se a pouco e pouco no leito para melhor observar aquela figura angélica de mulher, adormecida ao seu lado.
Traduziam as feições do velho o êxtase em que o arrebatara aquela contemplação. Parecia-lhe uma visão sobrenatural. Com movimentos cautelosos para não a acordar, encostou os braços às almofadas da cama e, apoiando a cabeça entre as mãos, assim permaneceu imóvel, abstracto, com os olhos fitos em Berta e o espírito subindo às regiões mais limpas dos espessos nevoeiros do mundo.
Era um expressivo grupo o daquela rapariga adormecida e o daquele velho pálido, descarnado, meio erguido no leito, contemplando-a em um quase rapto de adoração. Àquela hora, no meio daquele silêncio, alumiada por aquela luz, a cena era misteriosamente solene e imponente.
Horas talvez durou aquela contemplação silenciosa.