Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 7: VII Pág. 80 / 519

Luís não era a criança que ele supusera, que via mais claro naqueles negócios do que ele próprio com toda a sua experiência, e que a conferência, na qual esperava dar uma memoranda lição ao impertinente discípulo, podia muito bem terminar com notável desvantagem do mestre.

Ao princípio do fogo cerrado de questões e objecções o padre tentou entrincheirar-se atrás de evasivas, tratando o caso jovialmente; mas teve de abandonar essa táctica diante do tom e aspecto de seriedade varonil com que Jorge lhe insinuou:

- Sr. frei Januário, eu não vim aqui para brincar, nem o assunto da nossa conversação é digno dessas jovialidades. Sou um dos futuros herdeiros desta casa e quero saber como ela tem sido administrada até agora.

O padre experimentou a arma da dignidade ofendida.

- Então quer dizer que desconfia de mim?… E instaura-me um processo?

- Peço-lhe por favor que não venha com isso outra vez. Ninguém o acusa, já lho disse. Peço-lhe só esclarecimentos sobre o passado, para poder caminhar para diante.

Frei Januário acabou por se convencer de que não havia fugir à sabatina. Não lhe foi suave tarefa aquela.

Jorge pela primeira vez lhe fazia ver os erros de ofício que ele cometera, a imprudência com que dirigira certos negócios, o desleixo em que deixara outros, a ilegalidade de certos actos, os riscos em que pusera parte dos bens da casa. O padre suava, torcia-se, esfregava a testa, entrava em explicações confusas, donde com muito custo saía, titubeava, gemia, protestava, limpava os óculos, chamava em seu auxílio céus e terra; mas tudo era inútil poeira de encontro à paciência e fleuma com que Jorge o interrogava ou lhe fazia qualquer observação que, sem ser formulada como censura, feria no vivo a susceptibilidade do padre.





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