Maurício possuía um desses caracteres fáceis de dominar, móveis, que cedem ao bem e ao mal, e que tanto habilitam o homem a realizar heróicos feitos como a perder-se. Tudo está na influência que os rege.
Se têm faculdades para apreciar o gozo que de uma acção grande e generosa resulta; se são capazes de a conceber e dão estímulos para a executar; também as seduções do vício os enlevam, também a vertigem do abismo os atrai, e aproximam-se fascinados do precipício, sem que a razão acorde para os suspender no progresso fatal.
Caracteres assim são instrumento poderoso do bem e do mal, conforme a mão que deles usa e a intenção que os dirige. São os que sentem a influência das boas ou má companhias.
Dentro em pouco chegavam os três rapazes à Herdade.
- Então a rapariga? - perguntou o padre, examinando as janelas vazias.
- Nem sempre aparece à janela - informou Maurício.
- E de que meio te serves para chamá-la? Tosses, cantas, assobias? - perguntou o doutor. - Qual é o teu sistema?
- Eu não tenho sistema.
- Então para que nos trouxe por aqui este inocente, não dirão?
- Tu não tens entrada em casa?
- Meu pai não gosta que nós visitemos o Tomé.
- Ah! lá se o papá ralha...
- Este Maurício tem coisas!
- Isto é mesmo uma menina inocente!
- Aqui não há malícia alguma!
Estas observações dos manos estavam causando a Maurício vergonha da sua própria candura.
- E então daqui? - interpelou o doutor.
- Então... - titubeou Maurício.
- Segue-se dar meia volta à direita e retirarmo-nos com caras de asnos, não é assim?
- Façam vocês o que quiserem, - exclamou o padre - eu por mim, já que aqui estou, não me retiro sem ver a pequena.
- Mas como? - interrogou Maurício.
- Eu te digo já. A coisa é simples.