Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 17: XVII Pág. 216 / 519

era pelo padre tido na conta de engenhosa táctica, porque, explicava ele: cada família, conhecendo apenas a prata que lhe pertencia, havia de supor que toda a mais era da casa, que em tempo fora das mais bem providas nesta espécie. Por tal forma, não se tornaria notada a falta, e cada qual se daria até por lisonjeado em haver merecido do proprietário esta prova de confiança.

Jorge não se deixou convencer, apesar do persuasivo da lógica; e, em despeito de veementes protestos do padre, exigiu que o serviço se fizesse com o pouco ou muito que houvesse em casa.

O padre apelou para o fidalgo, que nisto, porém, decidiu a favor do filho.

Os convidados para o jantar eram todos da mais genuína fidalguia da província. Por muitas daquelas veias andava glóbulo de sangue que já pertencera a Fuas Roupinho ou a Egas Moniz e que, por um mistério fisiológico, que se dá naquela esmerilhada casta, conseguira transmitir-se inteiro de veias para veias, através de vinte gerações, com o fim providencial de manter inabaláveis os brios da raça.

Era um gosto seguir pelos séculos fora a linha pela qual alguns dos presentes procediam muito direitamente de qualquer notável herói das origens da monarquia. Havia tal que havia tirado a limpo o número de ordem que lhe competia naquela ilustre enfiada de morgados, e que deixava evidente, por um autem genuit nobiliário, ser o vigésimo ou o décimo sétimo rebentão de sua preclaríssima cepa. Bom fora que ele se tivesse entregado a esses cálculos, por não ser provável que aparecesse, no suceder dos tempos, outro espírito de igual alcance, que ousasse mergulhar em tão transcendentes e úteis computações; e assim ficaria a humanidade privada de uma noção valiosíssima.

Embora estivessem um tanto enfezadas e





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