Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 17: XVII Pág. 217 / 519

pecas quase todas aquelas vergônteas, sempre derivavam de uma profunda cepa; e quem não havia de preferi-las a ramos, embora cheios de viço, cujas raízes estivessem à flor da terra?

Os dotes físicos tinham, é verdade, sofrido um pouco com os extremos e cuidados empregados para conservar a crase aristocrática daquele sangue livre de toda a mistura que o derrancasse; os dotes intelectuais, em geral, ressentiam-se do cordão sanitário de que os chefes daquelas famílias as haviam cingido para precavê-las da infecção de ideias novas, propagadas pelos livros e jornais da actualidade. Mas lá estava o fermento da fidalguia, que era o essencial, e supria bem a saúde e a ilustração.

Algumas famílias que, cedendo um pouco às exigências da época, não tinham trancado de todo os portões dos seus solares a certas inovações eram por esse facto olhadas com desconfiança por os puros, que as acusavam de eivadas pela lepra do século.

Enquanto se esperava pelo jantar, formavam os convidados na sala nobre da Casa Mourisca grupos variados e característicos. As senhoras de idade madura, tias e mães, sentadas em semicírculo em um dos ângulos da sala, narravam pausadamente umas às outras as ocorrências domésticas relativas ao intervalo de tempo em que se não tinham visto; exaltavam os dotes pessoais do filho primogénito e as prendas da menina da casa.

Finalmente combinavam enlaces matrimoniais entre os seus filhos e sobrinhos, de maneira que o sangue dos descendentes saísse ainda mais rico em essência aristocrática, se é que era susceptível de maior apuro.

Os chefes de família, passeando na ala ou formando grupos nos vãos das janelas, lidavam na sua tarefa de vinte anos: a de demonstrar que o que perdera a causa realista fora a traição e o suborno; e, arvorados em profetas, entoavam trenos sobre a iminente dissolução social, parafraseando os artigos de fundo da Nação e do Direito.





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