Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 21: XXI Pág. 288 / 519

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- Pois por isso; se não sabes, deixa-me cá. Basta-me a chave grande. Eu hoje não passo da quinta.

E pegando na chave, que a mulher lhe deu a medo, o lavrador saiu à frente dos três criados, em direcção à Casa Mourisca.

Luísa, a cujo bom senso não agradava a resolução do marido, veio desabafar com a filha.

O que sobretudo levava a mal a bondosa Luísa era o não haver o marido consultado Jorge. Para Luísa, Jorge era um conselheiro infalível. A simpatia que sempre lhe inspirava aquela criança, «que se não metia com ninguém», como a boa mulher tantas vezes dizia, crescera e misturara-se à admiração, ao respeito e à absoluta confiança, assim que o viu, adolescente, tomar aos ombros o pesado encargo da direcção e reforma da sua casa, e que ouviu os louvores em que o entusiasmo de Tomé se desafogava, falando dele, Luísa afez-se a supô-lo um ente privilegiado, incapaz de errar, com faculdades criadas para levar ao fim qualquer empresa e realizar todas as suas tenções, por menos exequíveis que parecessem.

O dogma da infalibilidade de Jorge fora por ela definido.

Transpirara além disso cá fora o grande sucesso do dia do jantar na Casa Mourisca, e porventura a versão mais seguida saíra colorida por aquelas tintas maravilhosas com que o povo ilumina as suas narrativas. O que é certo é que este facto acabou de divinizar Jorge no conceito de Luísa, e agora menos do que nunca ela estava disposta a perdoar ao marido o haver prescindido dos conselhos de um rapaz tão brioso e prudente.

Berta escutou o arrazoado materno com ar pensativo e triste. Ouviu, sem a interromper, a longa exposição das excelentes qualidades do filho mais velho do fidalgo e os artigos de benévola acusação acremente formulados contra Tomé por quem aliás menos do que ninguém estava disposta a condená-lo.





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