Casa Mourisca enjeitou?
A impetuosidade do movimento com que Jorge respondeu a estas palavras da ama, a súbita e intensa vermelhidão que lhe cobriu o rosto pálido, e o olhar indignado que fitou na boa velha, assustaram profundamente esta, que quase se arrependeu do que dissera.
- Ama - disse-lhe Jorge comovido e com voz severa -, quero acreditar que não pensou nas palavras que disse, nem sabe bem o que elas significam. Vejo porém que conhece a meu respeito um segredo que eu desejaria que fosse ignorado. Não quero saber como lhe chegou ao conhecimento. Não negarei a verdade. Deixe-me porém dizer-lhe que mal sabe Clemente, mal imagina sequer a grandeza do sacrifício que eu fiz, facilitando-lhe o casamento em que ele me falou.
Ana recuperou a sua presença de espírito.
- E quem foi que lhe pediu que fizesse esse sacrifício? O meu Clemente sabia já o que vossemecê tinha no coração? Julgas tu que ele era homem que aceitasse de ti favores desses? Olha o outro, que, assim que soube tudo, imediatamente deu o dito por não dito.
- O quê? Soube tudo... o quê? O que sabe Clemente?
- Sabe que o Sr. Jorge da Casa Mourisca gosta da menina do Tomé da Herdade, e que a menina do Tomé da Herdade gosta do Sr. Jorge, e o Sr. meu filho, que é um rapaz de brio, não está resolvido a ser o trambolho que separe esses dois corações que morrem um pelo outro.
- Não sabe Clemente que essa afeição, que por infelicidade é verdadeira, está condenada à morte e que não será a recusa dele que a salvará? Não estava seu filho resolvido a aceitar a amizade leal que lhe oferecia Berta, sentimento que mais tarde as afeições comuns de família por certo transformariam em verdadeiro amor conjugal? Não me disse ele a mim que estava decidido a aceitar, se se convencesse de que a ilusão de Berta não podia ser nunca realidade? Pois essa certeza pode tê-la agora, se sabe tudo.