Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 35: XXXV Pág. 479 / 519

- Não me custou a entender as suas palavras de há pouco, fidalgo, porque, depois do que eu soube esta manhã, esta manhã apenas, repare bem, Sr. D. Luís, depois do que soube esta manhã e conhecendo como conheço o génio de V. Ex.ª, já esperava ouvir alguma coisa parecida com o que ouvi. Mas nem por serem esperadas me feriram menos as tais palavras. É preciso que V. Ex.ª saiba. Porque um homem que não tem a pesar-lhe na consciência nenhuma deslealdade, um homem que tem brios não pode a sangue-frio ser suspeitado como eu estou sendo por V. Ex.ª.

- Bem; pois se a consciência lhe não exprobra nada, é o essencial. Vá em paz com ela e deixe-me em sossego homem, deixe-me que bem preciso eu dele.

- Perdão, fidalgo. Isso é que eu não posso fazer. Deus me livre de ser acusado pela minha consciência, mas Deus me livre também de o ser pela dos homens que respeito e estimo. E V. Ex.ª, ainda que o não creia, é um desses.

- Muito obrigado.

- Permita-me que vá direito ao caso. Minha filha não tarda aí, e eu não quero falar diante dela. Esta manhã foram a minha casa (provavelmente quem veio a esta), porque vejo que vieram também aqui com a mesma nova... Foram a minha casa e disseram-me...

- Perdão, eu não preciso de saber o que se diz nas casas alheias.

- Pois bem - acudiu Tomé já irritado -, eu lhe conto então o que se disse na sua. Vieram aqui, a casa de V. Ex.ª, e disseram-lhe: «O seu filho Jorge está namorado da filha do Tomé, e a rapariga também gosta dele.» Disseram-lhe isto com certeza, e disseram-mo a mim também. Ora agora eu lhe conto mais, eu lhe conto o que V. Ex.ª pensou e o que eu logo previ que V. Ex.ª pensava. Pensou V. Ex.ª aquele insolente Tomé foi quem maquinou tudo isto. Atreveu-se a sonhar o meu filho para marido da filha dele, em aliar a sua família à minha, em dar por aposento àquela rapariga as salas do meu palácio.





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