Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 7: VII Pág. 75 / 519

e, mais atento do que nenhum, o cozinheiro que, sentado em um banco baixo, com uma perna atravessada sobre a outra e as mãos a segurarem o joelho, nem ouvia o chiar das caçarolas, nem se lembrava da ceia.

O padre fumou com a descoberta.

O hortelão dizia:

- Foi então que o imperador… oh aquilo é que era um homem!… foi então que ele fez aquela fala que lá está toda na memória do Mindelo, que foi onde nós desembarcámos, no dia 8 de Julho de 1832, ali pela tardinha.

E o hortelão, tomando uns ares solenes e endireitando o corpo, começou recitando oratoriamente:

- «Soldados! Aquelas praias são as do malfadado Portugal; ali, vossos pais, mães, filhos, esposas, parentes e amigos suspiram pela vossa vida e confiam…»

Era demais para a magnanimidade de frei Januário. A proclamação de D. Pedro desafinava-lhe os nervos sempre que a ouvia; o que não era poucas vezes, graças ao entusiasmo do hortelão. Cedendo pois ao seu ânimo indignado, o padre rompeu pela cozinha dentro, exclamando:

- Então que pouca-vergonha é esta? O fidalgo à espera da ceia, e esta súcia de mandriões aqui postos a ouvir as patranhas daquele senhor!

Os criados, surpreendidos, ergueram-se em alvoroço e tomaram os seus postos. O hortelão reagiu, como era seu costume.

- Patranhas? Isso lá mais devagar. Isto vi e ouvi eu, como vejo e ouço a vossemecê, e muito me honro em dizê-lo. Patranhas! Quem quiser pode ler tudo isso nas gazetas e muitas coisas mais. Eu fui soldado do imperador e…

- Está bom, está bom; pouco falatório. Você o que é, é hortelão; e o lugar dos hortelões não é na cozinha.

- Lá se vamos a isso, também o do capelão não é ao pé das panelas, e contudo vossemecê pode dizer-se que não tem outro posto onde esteja mais firme.

- Tenha cuidado com a língua; olhe que um dia a paciência esgota-se e depois não se queixe.





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