Os Fidalgos da Casa Mourisca - Cap. 1: I Pág. 14 / 519

As pessoas de índole de Jorge impõem uma espécie de estranho temor às mulheres, que se afastam delas como de um ser misterioso, donde lhes podem vir perigos desconhecidos.

Maurício, pelo contrário, mal podia dizer de que idade encetara o seu primeiro amor. Com os brinquedos pueris misturara já uns arremedos de galanteio e mais o competente cortejo de arrufos e de ciúmes. Desde então nunca lhe andou o coração devoluto, ainda que também nunca tão tomado e absorvido por amores que o fizesse passar por qualquer beleza feminina sem uma lisonja e sem um sorriso.

Era popularíssimo entre as raparigas da aldeia; todas o conheciam e ele a todas designava pelos nomes. A todas não, que para as feias tinha uma memória ingrata.

Além disso, Jorge gastava muito do seu tempo na leitura. Era bem provida a livraria da casa. A educação esmerada da mãe e bom gosto literário tinham enriquecido a biblioteca dos melhores modelos da literatura nacional e da estrangeira. Ali encontraram os dois rapazes farto alimento para a sua curiosidade. Jorge lia também furtivamente os poucos livros, espólio do tio falecido, os quais o hortelão guardara como relíquia, furtando-os ao auto-de-fé a que os condenaria inevitavelmente a indignação do fidalgo e do padre. Nesses livros aprendeu Jorge a pensar, a compreender o alcance de certas ideias e de certas instituições e a fazer a justiça devida a muitos preconceitos que lhe haviam imposto como dogmas.

A um espírito destes, educado em observar e reflectir, não podiam passar por muito tempo despercebidos os numerosos sintomas de decadência que apresentava a Casa Mourisca. Assim, por vezes, vinha-lhe ao espírito uma secreta apreensão pelo seu precário futuro.

Maurício, imaginação mais forte, natureza mais





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