- Ah! O Jorge falou-te nisso?
- Há dias. Pelos modos o Tomé queixou-se-lhe...
- Ai, o Tomé queixou-se ao Jorge? Sim, senhor, tem graça. Que te parece, ó Lourenço?
- É bem bom! E então o Jorge deu-te conselhos, hem?
- Sim, disse-me alguma coisa; que era preciso cautela, que não era prudente o meu proceder...
- Ah!
- E quase me fez prometer que desistiria.
- Ah! fez-te prometer isso?
- Quase...
Os dois não podiam suster o riso.
- É impagável aquele Jorge! - repetia de quando em quando o padre.
- Vocês bem sabem o génio dele.
- Ai sabemos. Pois nós bem sabemos... o génio dele. Ah! Ah!...
E os risos redobravam.
Mas a noite chegara enfim e encerraram-se cada vez mais as sombras sobre os caminhos do campo. Maurício pôde finalmente acompanhar os primos ao lugar da espia.
Dirigiram-se ali por sítios menos frequentados, e sem soltarem uma palavra.
Maurício, a seu pesar, sentia-se dominado por uma comoção profunda. Não era só despeito, era já uma nascente de repugnância pelo acto que praticava. Envergonhava-se daquele furtivo mister de espião.
Chegados ao local, o padre escolheu a posição de maneira que pudessem ver sem serem vistos.
Por muito tempo nada descobriram; nem ouviram mais algum som além do melancólico gemer dos sapos, a distância.
Maurício, entre impaciente e satisfeito pelo resultado nulo da espionagem, principiava a dirigir aos primos alguns ditos epigramáticos, quando a mão do doutor lhe tapou a boca, ao mesmo tempo que o padre se voltava para lhe recomendar silêncio.
Efectivamente, encostado ao muro da Herdade, caminhava um homem, que a sombra da noite não deixava conhecer.
Chegando à porta, que devia estar apenas cerrada, empurrou-a e fechou-a de novo sem fazer ruído.